OS DIÁRIOS E AS PARTICULARIDADES DA ESCRITA

Janaina Couvo
4 min readFeb 26, 2024

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Ter um diário era algo que estava muito presente na vida de muitas pessoas em séculos passados, tornando-se seus amigos mais íntimos, com quem poderia contar seus segredos, seus pensamentos. Escrever no diário era um momento em que eram registrados os sonhos, angústias, tristezas, conquistas, alegrias, entre tantos outros sentimentos vividos por quem tinha esse caderno tão precioso em suas vidas. Era nestes momentos onde a escrita de si assumia o protagonismo, expressando em muitas situações, as vozes silenciadas pela sociedade que não via com bons olhos a opinião feminina, sendo estas mulheres, as grandes personagens das narrativas presentes nestes diários, que deixaram registrados não só as memórias de um tempo, mas também toda a cultura e a vida cotidiana de uma época.

São escritos autobiográficos que ao longo do tempo foram se estabelecendo enquanto uma prática presente entre a elite da época. Especificamente entre as mulheres, os diários exerceram um papel importante em sua formação, sendo parte da educação familiar. A escrita entre as jovens era incentivada pela família, que era a responsável pela preparação das moças até o casamento. É importante destacar que algumas recebiam de suas mães os diários para a escrita, mas possuíam os seus diários secretos, já que suas mães tinham acesso aos seus “diários oficiais”. Assim, aquelas que possuíam seus diários secretos, deixavam muito bem guardados.

o momento da escrita íntima do Diário

Desta forma, a escrita intimista ou autobiográfica ultrapassou os séculos, sendo parte da vida de homens e mulheres, que encontraram nestes diários, o espaço para colocar em palavras suas histórias, suas experiências com a vida e o mundo. Estes relatos foram construídos a partir de vivências que, independente da idade, expressam as reflexões e os sentimentos mais profundos das pessoas que usaram os diários para dar voz à sua pessoa interior.

o Diário de Anne Frank

No universo literário, onde diários foram sendo publicados postumamente, trazendo à tona não só a história de seu autor ou autora, mas também um olhar sobre a realidade da época, muitos tornaram-se importantes documentos históricos. É o caso do Diário de Anne Frank, onde uma jovem judia registrou suas impressões diante do avanço de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, a mudança em sua vida neste momento de conflito, a vida no anexo, onde ela e sua família, dividiram um espaço pequeno com mais quatro pessoas, que precisaram se esconder diante da ameaça nazista. Um livro importante por trazer a visão de um período sombrio da história, a partir do olhar de uma menina, expondo suas angústias e sonhos de quem queria ser escritora, mas não teve a oportunidade de ver seu livro publicado, por ser vítima dos horrores do que foi o Holocausto.

Quarto de Despejo- O Diário escrito por Carolina Maria de Jesus

Partindo para a realidade brasileira, uma outra mulher também escreveu um diário, registrando as mazelas da vida na favela de São Paulo. Carolina Maria de Jesus, uma mulher preta, mãe de três crianças, viveu um tempo difícil em sua vida, enfrentando desafios diários para manter seus filhos, colocar comida em casa, sendo uma catadora de papel e vivendo na favela do Canindé, na periferia de São Paulo. Sempre tirava um tempo para escrever, e deixou registrado em seu diário os desafios para alimentar seus filhos, e sobre a vida cotidiana na favela. É uma narrativa da realidade, que traz reflexões fortes sobre suas angústias, principalmente sobre a fome constante a qual ela vivenciava. Um retrato de um Brasil do início do século XX que ainda perdura em pleno século XXI.

O Quarto de Despejo- o Diário de Uma Favelada, mudou a vida de Carolina. O livro foi publicado em vários países, levando para o mundo um relato das dificuldades as quais ela vivenciou, e que encontrou na escrita o espaço para expor suas angústias diante da fome que era parte da sua vida cotidiana. Além disso, expôs as mazelas da vida nas favelas brasileiras, a situação de abandono pelo poder público e a pobreza extrema a qual diversas famílias viviam e ainda vivem, pois os relatos da escritora são de meados do século XX, porém, ainda é um relato real da vida destes espaços urbanos atuais.

Assim, é importante compreender os diários não só enquanto um documento de reflexão sobre uma época, mas também um caminho para adentrar ao universo da escrita. Muitos escritores e escritoras começaram sua paixão pela literatura quando jovens, através da escrita em seus diários, que podem ser considerados guardiões da memória de um tempo marcado por afetos, recordações e registros de momentos inesquecíveis e reveladores.

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